martes, 10 de febrero de 2009

Pra lá de Marrakech - Final


Em nosso último dia em Marrakech, eu fui parar pra lá de Marrakech. Literalmente. Eu quería ir muito além de “pra lá”, queria ir ao deserto desse país e passar a noite acampando, mas isto estaria a uns 500 km de distância e com apenas uns poucos dias nesse país não seria possível. Planos para uma outra viagem.
Nosso destino era muito mais próximo, porém bem diferente do visto e vivido na metrópole, e pela manhã um motorista marroquino nos apanhou no hotel e nos dirigimos ao Vale Ourika.
Sentada no banco detrás do carro, fui contemplando pela janela a paisagem que mudava paulatinamente de grandes edifícios a rústicas construções, independente se era uma arquitetura elaborada ou simples, todas tinham a mesma cor.
Cheguei a pensar que era a própria cor do cimento deles, mas esta teoria não tinha sentido ao pensar nos suntuosos edifícios dos bancos e hotéis.
Voltei minha atenção ao interior do carro e então lembrei porque havia desconectado da conversa daquelas pessoas e me deixado absorver pela paisagem e meus pensamentos. O assunto que se estava discutindo no carro era…adivinham? Como encontrar a mala. Era solidaria ao sentimento de perda e frustração do Paulino, mas aquele assunto tomou proporções enormes e nos perseguiu durante toda a viagem.
Interrompi, perguntando ao motorista por que todas as construções tinham a mesma cor. E a resposta foi óbvia:
-É lei. Cada cidade é obrigada a pintar suas casas da mesma cor.
E o homem continuou nos contando, que as cidades imperiais marroquinas têm cada uma sua cor. Marrakech é ocre, Fez é a cidade azul, Méknes a cidade amarela e Casablanca, como se espera é branca. As construções, nas cidades, obedecem aos tons destas cores. E completa a informação dizendo que cada cidade é formada por, digamos assim, três bairros principais - a Medina, bairro antigo, onde moram os berberes e árabes, a Melah, bairro judeu e o bairro europeu, onde obviamente, moram a maioria dos europeus.
Sua explicação foi interrumpida quando vimos uma multidão de jovens e perguntamos o que era aquilo, e ele nos conta que é uma manifestação pacífica de estudantes contra o massacre israelí en Gaza. Nesse momento, penso que o mundo está conectado nesta causa e desejo que logo esse genocídio tenha fim.
Meu desejo é lançado ao universo e logo sou obrigada a resgatar meu pensamento que vagueia por diferentes reflexões para me concentrar no que vivenciaria naquele instante. Chegávamos a primeira casa de uma família berbere no Vale Ourika. Busquei em meus registros mentais o que conhecia sobre essa cultura. E me veio a mente que era o povo considerado nativo daquele país, que ainda preservavam laços tribais e tinham uma língua própria (a maioria da população fala francês e árabe - idiomas ensinados nas escolas). Lembrava me ainda das fotos que havia visto de suas casas nas montanhas, com construções que se harmonizavam com a natureza. Venho a descubrir que por conta das constantes invasões, os berberes se refugiaram nas montanhas e, hoje vivem camuflados em casas que se misturam às paisagens áridas do país.
Parecia me todo um privilégio conhecer uma autêntica kasbahs (como suas residências são conhecidas), com suas paredes feitas de argila misturada com água e palha. Lembrei me nostalgicamente das casinhas de sapê que um dia visitei dos meus antepassados no Quiririm (interior de São Paulo).
Uma família de berbere vivía nesta casa e as visitas eram uma fonte de renda a mais. Visitando a casa sentia ainda mais a semelhança com as casas da roça, com seus fogões a lenha e currau. Assisitimos o ritual do chá de menta e pudemos observar todos os detalles da elaboração desta bebida que eles tomam com frequência e oferecem a todos os seus visitantes.
Apesar de estar observando aquela cena, por um momento, senti o cheiro de café sendo passado em coador de pano na casa de minha avó e o gosto do bombocado de fubá que ela tão bem fazia, e que eu tinha que me controlar para não comer vários pedaços ainda quente e correr o risco de ter dor de barriga, como ela me advertia.
Mas o que meu paladar sentiu foi o gosto do pão feito na hora, com o azeite de olivas mais saborosos que desgustei em minha vida, pois era elaborado naquela mesma casa. O mais virgem dos virgens.
Podia contar a vocês uma série de outros detalhes dessa casa (colocarei fotos sobre a casa em outro post), mas havia outras coisas que fazer nesse ensolarado dia.

Outra tradição entre esses povos é a confecção dos tapetes. As peças são feitas manualmente pelas mulheres e depois comercializadas pelos homens. Os tapetes marroquinos são tingidos com pigmentos encontrados na natureza. As estampas representam o cotidiano da população. Muitas famílias se unem em cooperativas e algumas dessas associações chegam a empregar três mil mulheres. Os tapetes estão à venda por toda parte. Entre os berberes, tanto as mulheres quanto os homens têm suas funções definidas e todos trabalham.
Os tapetes eram realmente lindos e caros e como eu não tinha intenção (e condições) de levar nenhum deles comigo, aproveitei e me diverti fazendo muitas poses, pois os tapetes ficavam belíssimos como fundo, como cenário para as fotos.
O passeio seguiu e fomos parar em uma outra coopertiva, essa de produtos naturais. Um guia nos apresentou uma horta com suas plantas curativa e depois nos encaminharam à uma das 8 salas da persuassão.
Fecharam a porta atrás de nós. Ninguém entra, ninguém sai. Um dos homens que trabalha na cooperativa mostrou produto por produto e seus efeitos terapêuticos, que no discurso dele mais pareciam efeitos milagrosos. Um substância estranha para acabar com o ronco, um chá para emagrecer, um óleo para rejuvenecer, um creme para hemorraidas, uma pilula para impotência, um pó para dor de cabeça… Naquel lugar, qualquer problema físico tinha solução.
Eles realmente são bons na arte de persuadir, pois mesmo os produtos sendo caros, e bem caros, todo mundo acaba comprando alguma ilusão. Conosco não foi diferente.

Ainda no Vale Ourika não pude deixar de fazer algo que sempre tive vontade, dar uma volta de camelo. Deu até para sentir um medinho, já que estar na corcova desse animal é estar a mais de dois metros de altura. Mas o camelo era muito simpático e carinhoso, querendo até dar me um beijinho, como de beijo babado estou fora, desviei o rosto. Mas ele não se ofendeu e me levou a passear numa boa.
De volta a Marrakech passamos por um desses lugares que tingem com pigmentos naturais o couro. Por sensatez só Matheus desceu para conferir o lugar, e ao deparar com a carnificina e o olor de putrefação decidiu que deveríamos voltar a medina.
Na célebre praça da cidade fizemos a nossa última e farta refeição antes de voltarmos à Espanha.
A viagem foi curta, faltou conhecer muito lugares, mas mesmo assim deu para aprender e vivenciar muito da cultura desse país.
A sensação no fim do dia, no fim da viagem foi de felicidade por voltar para casa. A viagem não foi do jeito que eu imaginei que seria, mas ir a um lugar novo é sempre esta emoção desconhecida, pois nunca posso realmente estar segura do que vou encontrar, o que vou viver, e esse é um dos sentimentos que me faz gostar tanto de viajar. A surpresa, o desconhecido, a aventura, mas saber que tudo isso é passageiro.
Voltar…regresar ao lar é um prazer conhecido, é uma sensação de crescimento físico e espiritual, é voltar ao cotidiano, mas com uma parte, pode ser bem pequenininha, diferente em meu ser. Porque viajar me ajuda a conhecer mais do outro, mas principalmente conhecer mais de mim, e em meu lar, olhando as fotos, escrevendo esses textos à vocês e que tenho certeza que por mais difícil que seja uma viagem, SEMPRE VALE A PENA!!!!.
Ah! A mala só foi encontrada uma semana depois que voltamos.

Besitossss
Quel

domingo, 8 de febrero de 2009

Pra lá de Marrakech - parte IV


Caros amigos leitores, os pouparei dos detalhes do fatídico dia passado em função da busca da mala trocada.
Resumo dizendo que tudo que era possível fazer, e muito mais, foi feito na intenção de encontrar a bagagem, e mesmo assim, o dia passou sem que a dita cuja aparecesse. Todos eram unânimes em dizer que era a primera vez que viam um caso de mala trocada, o que complicava ainda mais a história. E vocês já ouviram algo parecido? Que a identificação de outra pessoa acabe parando em sua mala e a sua na mala de outro alguém? Já havíamos mal gastado o dia por conta desse infortúnio, sem poder fazer mais nada em relação ao assunto, resolvemos não desperdiçar a noite.
E na “High Society” de Marrakech fomos parar, um lugar com pessoas bonitas (ocidentais e orientais) e uma decoração lindíssima que misturava o tradicional e o moderno daquela cultura, com um toque internacional, porque começamos a noite tomando caipirinha e mojito.

Depois nos deliciamos com a comida, esse foi um dos meus maiores prazeres durante toda a viagem.
Sinto minha boca salivar só de lembrar do gozo de meu olfato e paladar por tão sublime comida.
A casa ainda oferecia shows com lindas mulheres e seus suntuosos e agéis ventres. O público estava enlouquecido pelas dançarinas, e a agitação era muita. Falando em público, faço um aparte para contar o que vi e me surpreendeu a respeito das mulheres.
Primeiro, fora dos âmbitos daquele lugar, melhor dizendo em qualquer lugar por onde andei em Marrakech era comum ver mulheres viajando sozinha.
Eu sempre alimentei a vontade de ir à Marrocos, mas todos me diziam que não deveria ir sozinha ou com uma amiga e que a presença de um homem se fazia necessaria.


Bobagem! Vi muitas mulheres viajando sozinha ou acompanhadas por uma amiga. Agora voltando ao restaurante boate, observei vários grupos de jovens mulheres árabes solteiras, na verdade nesse lugar, para meu espanto, havia mais mulheres que homens. Será isso sinal que as mulheres árabes estão batalhando mais por seu espaço na sociedade e pelo direito de se divertir? Depois de bebermos bem, comermos ainda melhor, rirmos, dançarmos, conversamos um pouco sobre tudo e sobre a mala (não aguento mais!!!), posarmos para as fotos, saímos dali e fomos a um cassino.
O tio Paulino é fanático por um cassino, e não podia deixar de dar uma passadinha para conhecer e jogar, é claro. Para mim, não era o fim de noite ideal, já que não gosto de ver pessoas jogando por dinheiro, eu então, nem pensar!!!
Como não fizemos coro a jogatina, o tio Paulino logo desistiu de seu vicio, e óbvio, também porque estava perdendo dinheiro… trocamos as mesas de apostas, pela aposta certa de nossas camas.
Eu estava contente que aquele dia havia acabado, que a noite havia sido muito melhor que o dia e sentia que o dia de amanhã seria ainda melhor, era o nosso último dia e iríamos fazer uma passeio pelo Vale de Ourika e conhecermos mais sobre a cultura Berbere. E quem sabe a mala não aparecia e a viagem realmente poderia ter "happy end". ...continua...

A todos um ótimo domingo e começo de semana!

Besitossss Quel

lunes, 2 de febrero de 2009

Pra lá de Marrakech - parte III


O sol brilhou.
Brilhou intesamente como estava previsto pela meteorologia no primero dia do ano. 2009 será um ano regido pelo grande astro de luz e com seus raios acordei. Sentia que algo havia mudado. Não apenas o número do ano, mas o fato era que dia chuvoso de 31 de dezembro já era história e eu me sentia diferente.
E no primeiro dia do ano me propus a ser feliz.
Com as energias renovadas por uma noite bem vivida, dormida, sonhada e bem amanhecida sai a caminar pelas ruas de Marrakech.
A cidade terracota era puro calor e buscamos um lugar para nosso café da manhã.
Entramos num café estilo parisiense, há muitos desses pela cidade, e me sentindo mais na Europa que na África tomei meu café com croissant.
Satisfeita sai em busca do autêntico marrocos, e não há nada mais autêntico nessa cidade que a praça Jema el Fnaa . A sensação de novamente em seus solos pisar foi diferente. Já não me assustaba aquele caos, e comocei a achar tudo fascinante. Claro, que essa sensação com seus devidos limites, já que não eramos livres para fazer foto ou filmar sem ser bombardeado por árabes querendo uma moeda.

Uma mulher toda coberta se aproximou, pegou minha mão e disse:
-¿Hablas español?
-Sí, por supuesto. Contestei mirando para única parte exposta de sua face, seus olhos negros.
Foi bom escutar novamente aquele idioma em boca alheia, mas quando me dou conta ela já estava com uma seringa fazendo um desenho rebuscado em minha mão.
-No, muchas gracias.
-No problema.
E segue segurando ainda mais forte minha mão e esparramando henna pelos meus dedos.
- No tengo dinero.
E ela sem me escutar pergunta meu nome e diz que está escrevendo em árabe para me trazer sorte, assim como também está escrevendo a palavra filho. Nisso chega Matheus e ela, finalizando rapidamente minha mão, pega em seu braço com a seringa a todo gatilho.
Matheus reforça:
-Somos pobres estudiantes, no tenemos dinero.
- No problema.
E pergunta pelo nome dele, repete a operação de escrever o nome para trazer sorte ao lado da palabra filho.
Digo a Matheus que de dois euros a ela. Ela olha aquelas moedas com desdém, ri e diz:
- Eso es muy buen trabajo, trabajo para traer suerte. Son 200 Dirham (cerca de 20 euros)
Replicamos prontamente:
-No hemos pedido por su trabajo.
-Vale, hago descuento. Son 150 Dirham.
Não queríamos discutir, afinal o dia não estava para isso, demos os 2 euros e viramos as costas.
Depois tivemos muito mais cuidado com qualquer pessoa que se aproximasse, as fotos e o video foram feitos a distância com muito zoom.
Saímos da praça e entramos em um ruazinha que da praça nascia, entrávamos em uma e depois em outra até nos perdermos e voltarmos a nos encontrar. Olhávamos tudo, mas poucas vezes perguntávamos o preço de algo. Pois só vale a pena se você realmente tiver a intenção de pichinchar para conseguir o melhor desconto e comprar. E a impressão, depois da compra efetuada é que sempre se poderia conseguir um preço ainda melhor. É a cultura deles, para comprar qualquer coisa é assim…mas cansa.
E o dia nao estava para desperdigar energia com qualquer coisa que pudesse nos aborrecer.
Não compramos quase nada, estávamos ali para curtir a atmosfera do lugar, e isso fizemos.
Num beco sem saída umas crianças jogavam futebol com uma bolsa plástica, Matheus entrou no jogo e triblou a garotada, eles sorriram ao ver o estilo do brasileiro jogando.
Quando demos conta o dia já estava acabando, foi uma sensação muito boa deixar o sol nos guiar.
Voltamos ao hotel tomamos um banho e esperamos pelos tios de Matheus que estavam vindo de Portugal.
Eles chegaram através de um vôo de Casablanca e nos ligaram avisando que uma mala não havia chegado.
Foram então fazer a ocorrência e descobriram que haviam uma mala com o nome de Paulo Costa, mas que a mala na verdade não era a dele. A que se extraviou tinha uns 20 kilos e essa não pensava nem 10kg. Deixando a mala de outro ser para trás saíram do aeropuerto muitas horas depois de aterrizarem lamentando o ocorrido.

Fomos comer em um dos melhores restaurantes de Marrakech, em uma terraça envidraçada onde se podia apreciar toda a praça, mas nem a bela vista, nem a boa comida do local, nem as garrafas de vinho esvaziadas foram suficientes para mudar o rumo da prosa, e o assunto mala foi protagonista do jantar.
Despedidas feitas, cada um para o seu hotel e a missão do próximo dia seria recuperar a mala.
Eu já imaginava que não seria uma missão agradável e desejei que aquele dia ensolarado não tivesse passado tão rapido.

...continua...