martes, 19 de enero de 2010

Roupas, papéis e sentimentos

Estou voltando ao Brasil, e isso significa, entre muitas coisas, eliminar o muito acumulado em mais de 6 anos em Barcelona. Primeiro foram as roupas. Tenho muitíssima, mas não pensem que sou a típica consumista, que precisa comprar roupas novas a cada estação. Como dizem algumas amigas tenho corpinho de pobre, tanto a tamanho P como M, e às vezes o infantil ou o G servem em mim. É realmente algo incrível. E para somar a esse fator tão adaptável de tamanho, não tenho um estilo definido e nem cores preferidas. Por tudo isso sou a pessoa perfeita para aceitar doações. E minhas amigas estão sempre me repassando o que elas não querem mais. Nunca tive problemas com roupa de segunda mão, muito pelo contrario, já no Brasil amava comprar em brexós. Durante anos minha grande terapia semanal e da minha mãe, era irmos ao “barracão”, como eu denominei um lugar que era exatamente um barracão, em que as freiras vendiam a preço absurdamente barato, uma vez por semana, roupas que viam em contaneirs de doações de pessoas de diversos lugares da Europa. Para mim representava poder, de forma barata e com qualidade, viver diferentes personagens no meu dia-a-dia e me vestir diferente das outras pessoas. Acredito que seja "culturalmente" consumismo a facilidade, que em alguns lugares, as pessoas tem para se desfazerem de seus objetos. Lembro-me que quando morava em Londres, uma vez encontrei dobradinhas em cima de um muro baixinho de uma casa, 25 peças de roupa em excelente estado, e acreditem todas serviram em mim. Isso foi há 8 anos atrás e até hoje ainda tenho algumas dessas peças de roupas. Aqui em Barcelona foram incontáveis as vezes que episódios semelhantes a esse sucederam. E assim fui acumulando roupas. Não pensem que tudo que acho pego, ou mantenho. Estou sempre reciclando, e repassando a outras amigas aquilo que não quero ou que acho que ficará melhor em elas, algumas vezes guardo peças especiais para levar ao Brasil e dar aos meu parentes, e eles adoram! E claro, também dôo muita coisa a lojas de segunda mão aqui, que a venda é revertida para ajudar crianças africanas.
Mas quanto mais eu repasso roupas, mas roupas me chegam, e uma energia que circula muito. Cheguei a desenvolver um poder especial, mentalizava que precisava de umas roupinhas de verão e encontrava uma bolsa cheia, às vezes encontrava tanta coisa ao mesmo tempo que mal conseguia levar para casa. Minha última metalização foi um casaco preto de inverno e uma amiga me deu dois, sem saber que eu estava precisando. Sei que não será assim no Brasil, mas de qualquer forma tinha que selecionar o que queria de fato levar, e não foi algo tão difícil de fazer, já que foi gostoso ver que minhas amigas ia querendo com entusiasmo ficar com aquilo deixava para trás.
O difícil foi chegar na eliminação de papéis, e sou daquela que le cada papelzinho que guardei antes de jogar fora. Uma primeira eliminação é fácil, cartões de gente que eu não me lembro quem é, contas, extratos antigos. Enfim, tranquilamente uma boa quantidade de papéis foi parar no lixo reciclável. Então chega às decisões mais difíceis, já que tenho muita informação acumulada de viagens feitas. Uma entrada no museu de Ana Frank me faz lembrar de toda sua historia e a emoção que senti visitando esse lugar. Um bilhete de trem a Cinque Terre, na Itália, me faz lembrar da minha aventura de viajar sozinha por essas paradisíacas praias. Uma bolacha de cerveja de um bar, me faz lembrar do dia que eu conhecia uma amiga fantástica que hoje sou madrinha de seu casamento. Um mapa do museu Louvre me recorda a viagem enamorada que fiz com Matheus a Paris. E assim, vou redescobrindo papéis em que tenho uma dificuldade enorme em me desfazer, porque são como um bilhete de viagem ao tempo, com direito a reviver emoções. E algumas delas de maneira mais forte. Assim cheguei em duas cartinhas, uma de meu pai e outra da minha mãe. São lindas, e me passam tanto amor e força. São de 2003, quando estava iniciando minha trajetória em Barcelona. Chegaram no natal desse ano, meu primeiro natal em terra estrangeira, estava tão deprimida naquela época que receber suas cartinhas acompanhada de uma caixa cheia de mimos me fez ter mais fé e mais garra para finalizar o ano. Pensar no amor, e no apoio deles foi a arma que necessitava para seguir a batalha.
Reler essas cartas me emocionou tanto, primeiro me fez sentir o abençoada que sou por tê-los como pais. Mas tive também, em num piscar de olhos flashs de todos esses anos aqui. Da intensidade que vivi os momentos de sofrimento e de alegria, e pensar em algo que sempre tive presente em esses momentos, que tudo é passageiro.
Lembrei do amor e do apoio deles, mas também pensei em tantas pessoas novas que surgiram e foram, e são essenciais agora em minha vida, pensei nos amigos que tantos anos lealmente me acompanham a distancia, nos amigos feitos aqui, nos amigos de longa e curta data, mas que fizeram a diferença. Penso nas tantas viagens feitas... e como elas foram importantes para minha vivencia e amadurecimento. Sim, são só papéis, mas representam pessoas e fatos importantes de minha vida e quero levá-los comigo. Não confio na minha memória, e sei que ela receberá uma carga de energia e se revigorá cada vez que voltar a tocar essas pequenas jóias em forma de papéis.

jueves, 7 de enero de 2010

Reis Magos e "rebajas"


Ontem foi dia da visita dos Reis Magos, tradição muito forte na Espanha. Dia 6 de janeiro é o feriado mais aguardado das crianças daqui. E a popularidade dos Reis deixa o Papai Noel cheio de inveja já que as cartinhas (e os e-mails!) são escritos para Baltazar, Melquior e Gaspar.
Os Reis chegam desde Ásia, África e Europa na noite do dia 5 e passeiam em carros alegóricos pelas ruas da cidade distribuindo balas e doces. Acontecimento disputadíssimo não só pelas crianças, mas também por gente que não pensa na idade que tem ao dar tchauzinho para os Reis e disputar entre cotoveladas os doces que as majestades jogam para a multidão.
Minha amiguinha Shiadani, uma adolescente mexicana de 12 anos descobriu a tradição dos Reis em Barcelona há 6 anos atrás. Antes, suas cartinhas pediam por bonecas e jogos, a carta deste ano pedia um CD do Green Day e outro do Coldplay, mas não é porque seus gostos mudaram que ela deixou de curtir e esperar com ansiedade pelo desfile dos Reis e pela manha do dia 6, quando pode abrir os presentes deixados embaixo da árvore de natal.
Ela perguntou ao seu pai o que os Reis faziam com as cartas enviadas pelas crianças. Possivelmente ela já conhecia a resposta, mas esperava que seu pai ainda alimentasse a tradição. Quando ele respondeu simplesmente que as jogavam fora, ela ficou chateada com ele e disse: Eu não quero escutar isso, seu ladrão de ilusões!
Parece terno que ela, que já quer ter um namoradinho, que se preocupa cada vez mais com o estilo de roupa que veste, que deseja que seus seios cresçam rápido, que adora escutar rock e tocar guitarra, nesse dia mostra com toda força que ainda quer manter seu lado infantil. Talvez todos nós, em algum momento da vida defendemos o direito de manter nosso lado infantil e se alguém trata de jogar um balde de água fria em nossas ingênuas crenças, nós nos recusamos a aceitar.
Lembro que quando era criança, depois que passava o natal, não via sentido que minha mãe deixasse a árvore, o presépio e os enfeites de natal até o dia 6 de janeiro, e depois quando chegava esse dia, guardava tudo sem mais.
Eu conhecia a tradição cristã em que dizia que Melquior entregou ao menino Jesus ouro em reconhecimento de sua realeza; Gaspar, incenso em reconhecimento da divindade; e Baltasar, mirra em reconhecimento da humanidade (a mirra era usada para embalsamar corpos e, simbolicamente, representava a imortalidade).
Aqui na Espanha encontrei o sentido do dia dos Reis Magos. É o dia em que, não importa a idade que tenha, a ilusão e a fantasia voltam a estar no coração dos espanhóis, e naqueles que vem de outras culturas, mas se contagiam com esta festividade.
Claro, o consumismo também ganha espaço. Já que todos querem um presentinho dos “Reis”. E as “rebajas” (promoção) começam hoje!!! Vou ser sincera, quando não estiver mais na Espanha, vou sentir igualmente saudades das comemoraçoes dos Reis e das "rebajas". Ou será que mais que das "rebajas"? Pois só quem já viveu uma sabe o quanto é bom. O quanto ela te devolve a fantasia, te da vontade de ser irresponsavelmente infantil e sair comprando com uma rainha.