
Fecho os olhos e volto no tempo. Tenho 10 anos de idade. Estou brincando com outras crianças em uma rua de terra, em Lorena, uma cidade do interior de São Paulo. Minha vó grita e o cachorro late e sei que que é hora de entrar para almoçar. Não sem antes lavar as mãos e ajudar a colocar a mesa. Saboreio uma comidinha simples e deliciosa: arroz, feijão e bife acebolado feitos num fogão a lenha, e acho até gostoso salada de chicória temperada com limão. Não tem ninguém que faça uma salada de chicória igual a Vó Alzira. Depois do almoço escuto minha vó repetir o seu ditado preferido: “serviço de criança é pouco, mas quem perde é louco” e assim sei que tenho que ajudar a arrumar a cozinha. Assitimos juntas alguma novela do Vale a pena ver de novo, e lá vou eu novamente brincar na rua, jogar queimada com bola de meia, esconde esconde, pular corda, ver os meninos empinarem pipa ou sem que vovó saiba brincar de salada de frutas, em que o cardápio é beijo, abraço ou aperto de mão. A tarde passa rápido é hora do café passado no coador de pano, se tenho sorte será acompanhado de um bom pedaço de bombocado de fubá quentinho e se quiser tem também a melhor paçoquinha do mundo, feita num enorme pilão de madeira e acompanhada de banana.
Chegou as férias e posso ficar uma semana na casa de vovó, sem papai, mamãe e os meus irmãos. Vendo televisão na sua enorme e confortável cadeira de balanço. Brincando no quintal repleto de árvores e com uma banheira antiga, algo que sempre me pareceu surreal, por que uma banheira no quintal? Mas ao mesmo tempo muito legal, essa banheira se transformava em tantas coisas em minha imaginação, podia ser uma nave, uma cama, um caldeirão mágico e até uma banheira. Brincar, brincar e brincar na rua cheia de crianças ou com meus primos que vejo tão pouco durante o ano. A noite sempre tem histórias no quartão de sua casa, ela me conta do tempo que era moça ou sobre as façanhas do meu vovô Silvio, um homem bom e corajoso que que se alistou aos 17 anos para servir o país numa Itália em tempos de guerra, ou alguma história da minha mãe ou de alguma outra tia. Histórias que nem me lembro mais, mas eram contadas por um senhora bonita, elegante e batalhadora que criou seis filhas e um filho com muita luta e dignidade e ajudou no que pode na criação dos netos.
Uma saudade profunda e dolorida faz com que me sinta feliz por ter essas imagens de minha infância e triste por não poder dizer mais a vovó o quanto a amava, o quanto a achava bela e fui feliz em sua casa.
Depois de uma semana difícil, numa cidade em que não conhecia nada, nem ninguém, prestando um concurso em que utilizei todas as minhas forças e coloquei toda a minha fé, uma experiência válida, por me mostrar o quanto sou capaz, e ao mesmo tempo injusta, porque não adiantava quanto esforço eu colocasse, o concurso já tinha a sua única vaga reservada para uma candidata específico, estava eu exausta no aeroporto esperando o voo que estava atrasado para voltar a Salvador. Resolvo dar uma olhada rápida na internet e vejo que uma prima minha coloca em seu orkut, “Luto. Saudades, te amarei para sempre” abaixo da foto de minha vózinha. Fico sem entender por alguns segundos até que a ficha cai. Minha avó morreu. Ligo correndo para minha mãe que não está em casa, pois tinha viajado para ir ao velório. Fico perplexa e não consigo me conter e sozinha desabo a chorar compulsivamente naquele saguão de aeroporto. Alguém vem e me oferece um copo de água. O embarque se inicia, levanto e sem perceber deixo cair meu RG no chão. Alguém me devolve. O voo estava cheio, e tive que viajar ao lado de um cara que não parava de falar, quando tudo que eu precisava era de silêncio, era que me deixassem chorar em paz.
Em Salvador, consigo falar com minha mãe que me explica que não havia me dito nada, pois eu estava no meio de um concurso de vários dias e a noticias iria me desestabilizar. Eu a entendo, mas sofro por não haver estado presente nesse ritual de despedida. Ela me acalma e diz que foi lindo, que todos os filhos estavam presentes e alguns netos e bisnetos e que teve choro, risos e cantoria. Ela me conta que o velório foi emocionante, e que a atmosfera foi de muita paz. Tranquilizo-me, mas ainda sinto por haver perdido esse momento.
Ela me conta que em seu retorno, de madrugada, um caminhão bate na traseira do carro em que estavam, e que o carro saiu da pista, ficou bem amassado, mas que eles não sofreram nenhum arranhão. Agradeço imensamente a Deus por ter poupado meus pais, pois posso lidar, não sem dor, com a passagem da minha avó, mas não estou preparada para perder meus pais. E possivelmente nunca estarei.
Vivo dias difíceis, mas surge uma brecha no trabalho e não penso duas vezes, de um dia para outro estou voando seis horas para passar o dia das mães com minha mainha.
Hoje estou em paz, feliz, realmente feliz por estar ao lado dela, de podermos viver esse luto juntas, de compartilharmos a lembrança e o amor que sentíamos por nossa amada Alzira Camoezi Gomes.
Agradeço a vovó por ter me dado uma mãe tão fantástica e agradeço a minha mãezinha pela oportunidade de ter convivido com uma avó que mesmo morando longe, durante toda minha vida sempre esteve presente.
Desejo que todas as filhas/os possam curtir imensamente suas mães e que todas as mamães possam curtir imensamente seus filhos, fisicamente ou na lembrança e que Deus abençoe muito essa relação tão divina que é ser mãe e ser filha/o.
Felicidade, paz e amor a todos que aqui passarem.
Besosss
Quel