martes, 20 de diciembre de 2011

Quando nascer e morrer se olham


Nascimento me faz chorar tanto quanto morte.

Existe um tênue e fugaz instante em que se poderia confundir o que é um e o que é o outro. Percebe-se o quanto são faces distintas da mesma moeda, da mesma matéria, do mesmo sopro que faz despertar e adormecer, do mesmo elemento fundamentalmente etéreo, divino e cíclico.

Ver a vida de um ente querido se eximir é intensamente doloroso. Produz contrações que geram dores musculares e o órgão responsável pelo bom bailar sanguíneo perde o passo. A sensação é que as hemácias e hemoglobinas se desentendem, não conseguem mais fluir no compasso que seria de costume e quando retornam ao coração, esse agora dificulta a passagem, altera o circuito.

Ver a um ser amado vir ao mundo é intensamente jubiloso. Produz contrações diferentes e o órgão responsável pelo bom bailar sanguíneo perde o juízo e entra em festa. A sensação é que as hemácias e hemoglobinas estão bêbadas, dançam enlouquecidas na pista, dando voltas por todo o salão passando tão rápido pelo coração, que entorpecido mal se da conta desse frenético vai e vem.

O coração é só emoção e toda essa pressão se transforma em dor e alegria que precisam de alguma maneira se liberar e viram lágrimas.

Lágrimas que podem ser de perplexidade. Como se a secreção salgada pudesse limpar as pupilas e fazer enxergar um panorama diferente.

Lágrimas de uma saudade intensa, instantânea e inconsciente do momento passado, e/ou, de surpresa e medo pelo inesperado. Quando se vivencia um nascimento ou uma morte nunca se sabe como se dará as combinações químicas de nosso corpo que geram as mais diferentes emoções.

Lágrimas de perda, de um pedaço de si ou do todo mesmo. Já que tudo é conexão, algo que interfira neste atrelamento faz necessariamente que aquele específico todo deixe de existir e tudo já é outra coisa. O todo precisa se redimensionar. E quem fica tem que renascer.

Cada ser que amo e perde o alento vital me faz perceber em mim mais vida. Compensação. Ainda que no momento não me de conta. Ainda que talvez você nunca tenha tido consciência disso. Mas sempre quando alguém morre acabamos por valorizar mais a vida. Ainda que ela não pareça justa, ainda que ela não pareça boa, ainda que haja tantos aindas que nos deixem sem chão.

Talvez, então, precisemos voltar a ser embriões. E esperar. Talvez prematuramente já conseguíssemos a força necessária para voltar a chorar, agora por respirar um ar de quem precisa estar no mundo e precisa aprender a viver independente, só.

Pois mesmo com toda ajuda do mundo, sendo em fase embrionária, de desenvolvimento, de descoberta, aprendizagem, mesmo que engatinhando ou em maratona, não importa quem está do nosso lado.

É na solidão que temos consciência do nosso ser.

Solidão não como sinônimo de estar só, mas de estar totalmente voltada para o interior do seu ser. É o primeiro momento do eu existo. E o último.

Que bela é a vida que procura tudo equilibrar. Privilegiados são aqueles que nascem e morrem com o que lhe caberia a todos por direito.

Privilegiados são aqueles que entendem o nascimento como inevitavelmente é: um choque entre dois mundos, a dor de sair de um lugar que tudo subsistia, para outro onde deverá aprender um tanto quanto de lições que lhe garantirão sua subsistência física, emocional e espírita. A vida faz o que ela sempre fez e faz tão bem. Tratará de preparar muitos mestres e situações para o melhor desenvolvimento daquele que é um ávido e atento aprendiz. E assim não estar fadado a ser um ninguém.

Privilegiados são aqueles que vivenciam a morte como o que ela é: a única condição certa a todos nós. A morte sim é justa. Não faz diferença. Todo mundo é alguém ao seus olhos. O que pode não ser justo é o modo como cada um morre. Para podermos equilibrar os pratos dessa balança agimos. Só a ação, o sentir, o pensar, e tantos outros verbos que compõem a coreografia da dança que celebra a vida e respeita, mas não se curva a morte é capaz de recordar o ser humano, que assim como não há nada mais correto que um dia todos morreremos, também é certo que nascemos para começar. Uma jornada que a cada dia, a cada instante podemos morrer e renascer até que o último suspiro seja para o tal do descanse em paz.

Talvez haja um tênue e fugaz momento em que nascer e morrer se olham, sorriem, se abraçam, se fundem e são uma coisa só.

2 comentarios:

Lau Milesi dijo...

Quel...linda, estive aqui no dia da postagem e não consegui comentar, como te disse. Fiquei impressionada e emocionada também.
Belíssimo, seu texto. O título me fez chorar. Muito lindo! O nascer e o morrer se olham e se tornam parceiros da "vida",em que nível espiritual seja, não é Quel?

Drumond diz que "há certo gosto em pensar sozinho. É ato individual, como nascer e morrer".
Lembrei de Drummond agora porque também lembrei do seu aviso no face, do momento que te levou a escrever. Parabéns, minha linda, por sua inteligência e sensibilidade.

Amei receber sua visita. Vou te escrever. Voltando ao Brasil, vamos jantar outra vez. Desejo a você muitos Anos Novos com amor, paz, alegria e muitas realizações.
Um beijinho pra vocês. :)
Com carinho e saudade:

Lau

Raquel dijo...

Lau,

Nao tinha lido seu comentario, muito obrigada por todas e cada uma de suas palavras. Espero que possamos voltar jantar juntas qualquer dias desses. Ainda que demore, voltara a acontecer!

Beijo enorme!