martes, 23 de octubre de 2012

A complexidade de ser eu e de estar em Londres


Voltar à Londres depois de 10 anos tem sido uma grande oportunidade de pensar e sentir diferente. Reconhecer essas mudanças, essa evolução me faz entender não apenas o processo da minha relação com essa cidade, mas outros também, afinal, é a mesma pessoa se relacionando com o mundo.

Quando pensava em Londres sempre sentia um gosto amargo e logo associava com tanto sofrimento que passei aqui. Situações de desamor, de perigo, de humilhação, de pobreza. Ainda que via claramente como foi importante para que existisse o link que vinha depois: Barcelona.


Não quis voltar antes, não me sentia preparada para encarar a cidade e meu passado, pensando que reviviria muitas daquelas situações e voltaria me sentir miserável. O tempo passou e eu passei com ele e pude cada vez mais me harmonizar comigo no tempo e em vez de ser arrastada por ele, como muitas vezes fui, hoje posso dançar em sua homenagem.


É preciso entender que têm feridas que podem levar muito tempo para cicatrizar, mas se você respeita esse tempo acaba gostando da marca deixada. Londres agora é assim. O que me dá a segurança de pensar que muitos outros cortes, feitos das mais diferentes maneiras, viram linhas em nosso corpo que contam parte da nossa hist
ória, da história particular de cada um de nós.

Chegou o momento em que quis voltar, que o corpo pediu e que o universo facilitou. Quis olhar de frente meu passado e ver como ele reflete em meu presente. Vejo que é mais bonito do que eu pensava.

Caminhando pelas ruas me frustei em muitos lugares que já havia estado, nos pontos turísticos que já  havia visitado por não me lembrar de detalhes de quando estive, não recordar o que havia acontecido naquele lugar. Não consegui acessar alguns lugares de minha memória. Não revivi uma porção de cenas que achei que reviriria e outras que nem esperava vieram a tona sem que eu possa me acercar da escolha misteriosa que o subconciente faz de determinadas imagens em detrenimento de outras. Porém a expêriencia mais forte para mim não estão sendo as memorias visuais, mas as sensações. Sinto-me feliz, em paz e agradecida.

Sei que muito do sofrimento que vivi, suportei porque tinha tempo livre para andar nesta cidade, que é um museu a céu aberto, esculturas, monumentos, edifícios belíssimos por toda parte. E nãé só ao ar livre, com seus inumeros parques que se pode apreciar a beleza, em cada pub que se entra a sensaçãé de bem estar. Que tradição maravilhosa os ingleses têm de nos fazer sentir tão confortáveis em seus bares cheios de sofá, com decorações das mais interessantes e uma grande quantidade de distintas cervejas.


Não me lembrei tanto dos detalhes dolorosos que achei que iriam pipocar em minha mente, entretanto descobri que gostava e gosto da cidade, que me encantava e me encanta andar por ela. Visitar seus maravilhosos museus gratuitos, descobrir alguma atividade cultural que só acontece aqui, seus mercados cheio de pinchinchas, enfim, tantas coisas que essa cidade tem de boa e porque eu não estava bem, tudo isso não ficou bem registrado.


Hoje reconstruo minha relação com Londres. O tempo encarrega de limpar minha memória para que meu disco duro pudesse receber mais informação. Reciclou os arquivos estando eles aparentemente bons ou corrompidos. Agradeço esse comando da minha máquina autogestora. Posso agora guardar novas imagens, audios, textos e fazer novas impressões.


O clima, que é uma clássica reclamação de todos aqui, céu cinza, chuvas constante, frio, não merece minha atenção, minha energia. Não vivo aqui. Estou só de passagem e aceito Londres como ela é, porque sinto que agora ela me aceita como eu sou, porque eu me aceito, com todas as minha contradições, inseguranças, medos, e como me aceito, percebo que tudo isso que parece sentimentos negativos não são mais que uma parte do nosso ser que nos impulsiona a sermos melhores se soubermos abracar cada parte de nós.

Me abraço e abraço a cidade com toda complexidade que existe nela e em mim.

A huge hug for all

Raquel

3 comentarios:

João Esteves dijo...

Que beleza de depoimento em primeira pessoa. Lembrei dos conhecidos versos "green grass, blue eyes, grey skies, God bless/silent pain and happiness", de brasileiro aí exilado no tempo da nossa ditadura. Cada brasileiro levou consigo uma Londres diferente mas no fundo exatamente a mesma. Forte abraço, Quel.

chica dijo...

João Esteves, que curioso eu não tinha lido seu comentário. Que delícia! Obrigada.
Huge Hug

chica dijo...

João Esteves, que curioso eu não tinha lido seu comentário. Que delícia! Obrigada.
Huge Hug